A farra nuclear

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Kcna/AFP/Getty

Apesar de toda retórica em relação ao uso de armas nucleares, recente relatório mostra que EUA e Rússia investirão bilhões de dólares nos próximos anos nessa área. É o que diz recente relatório da British American Security Information Council. As linhas afirmam que a superpotência gastará em torno de 700 bilhões de dólares na próxima década. E a ex-república soviética, 70 bilhões.

O programa nuclear iraniano, criticado pela mesma retórica, visto em parte pela preocupação do preconceito, e da diferenciação (ideológica, civilizatória, altera), em parte pela preocupação oriunda das próprias declarações dos líderes xiitas, não foi analisado. É certo dizer, no entanto, que ele não tem o punjante e preocupante orçamento estadunidense, em nenhuma estimativa razoável.

Como medir intenções? As análises partem de dados materiais, subjetivos, de ideários bem construídos, dos medos apenas? Não caminhamos para um mundo cada vez mais ofensivo?

Seguem alguns pontos do relatório:

• The US is planning to spend $700bn on nuclear weapons over the next decade. A further $92bn will be spent on new nuclear warheads and the US also plans to build 12 nuclear ballistic missile submarines, air-launched nuclear cruise missiles and bombs.

• Russia plans to spend $70bn on improving its strategic nuclear triad (land, sea and air delivery systems) by 2020. It is introducing mobile ICBMs with multiple warheads, and a new generation of nuclear weapons submarines to carry cruise as well as ballistic missiles. There are reports that Russia is also planning a nuclear-capable short-range missile for 10 army brigades over the next decade.

• China is rapidly building up its medium and long-range “road mobile” missile arsenal equipped with multiple warheads. Up to five submarines are under construction capable of launching 36-60 sea-launched ballistic missiles, which could provide a continuous at-sea capability.

• France has just completed deployment of four new submarines equipped with longer-range missiles with a “more robust warhead”. It is also modernising its nuclear bomber fleet.

• Pakistan is extending the range of its Shaheen II missiles, developing nuclear cruise missiles, improving its nuclear weapons design as well as smaller, lighter, warheads. It is also building new plutonium production reactors.

• India is developing new versions of its Agni land-based missiles sufficient to target the whole of Pakistan and large parts of China, including Beijing. It has developed a nuclear ship-launched cruise missile and plans to build five submarines carrying ballistic nuclear missiles.

• Israel is extending its Jericho III missile’s range, and is developing an ICBM capability, expanding its nuclear-tipped cruise missile enabled submarine fleet.

North Korea unveiled a new Musudan missile in 2010 with a range of up to 2,500 miles and capable of reaching targets in Japan. It successfully tested the Taepodong-2 with a possible range of more than 6,000 miles sufficient to hit half the US mainland. However, the report, says, “it is unclear whether North Korea has yet developed the capability to manufacture nuclear warheads small enough to sit on top of these missiles”.

Iran’s nuclear aspirations are not covered by the report

Sassen e o occupy

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Saskia Sassen, professora de sociologia da Columbia University e uma das maiores vozes em globalização, fala sobre os movimentos “occupy” em Wall Street e no mundo.

Abaixo entrevista ao jornal português Público.

A holandesa Saskia Sassen (1949) é uma das principais teóricas da globalização. Professora na Columbia University (Estados Unidos), cunhou o termo “cidade global” e, mais recentemente, desenvolveu a ideia da “rua global”. Autora de “The Global City”, “The Mobility of Labor and Capital”, “Globalization and its discontents” ou “Sociologia da Globalização” (pela brasileira ArtMed), Sassen tem reflectido nos últimos 20 anos sobre os impactos da globalização. Olhou de perto os protestos que aconteceram sobretudo em grandes cidades de todo o mundo, diz que estão a fazer História, mas “isso não significa que o sistema vá mudar”. Os protestos criaram também um espaço de contestação ao qual os que estavam descontentes se juntam e percebem que não estão sozinhos e nasceram num tempo em que o contrato social falhou, diz. Conversa ao telefone com a especialista que viveu em vários países e hoje está entre Nova Iorque e Londres.

Disse que a cidade é o espaço onde as pessoas “sem poder” podem fazer História. Os protestos globais marcados para hoje estão a fazer História?

A cidade tem a capacidade de permitir que os sem poder façam História porque em primeiro lugar há uma enorme diversidade de pessoas – 500 pessoas numa cidade não é o mesmo que 500 pessoas numa plantação, onde são iguais – e essa diversidade pode-se cruzar. Isso é muito importante. Mas quando falo da possibilidade dos sem poder fazerem História isso não significa que se tornem poderosos – mas podem fazer História na mesma.

Sim, já estão a fazer História. As pessoas em Telavive que demonstraram pela primeira vez as suas reivindicações sociais fizeram História. Nos Estados Unidos há um enorme grupo de pessoas que não sabia o que pensar sobre o actual sistema económico e que agora está a criar uma narrativa com a qual outros se podem identificar. Há todo o tipo de pessoas que agora sente que não está sozinha na sua luta pela sobrevivência, na sua raiva, e no seu sentimento de injustiça social e económica. Isto é imensamente importante.

Mesmo sabendo que não vão conseguir que a sua agenda seja reconhecida pelo sistema financeiro eles terão criado uma narrativa e uma explicação das coisas que permite o desenvolvimento de uma tomada de posição de princípios – agora há esta narrativa alternativa. Nos Estados Unidos, havia pessoas que estavam preparadas para se juntar mas não encontravam sítio, havia pessoas preparadas para discutir o que está errado no nosso sistema, porque é que esta distribuição de benefícios não é bonita – e agora, de repente, há qualquer coisa à qual se podem juntar. Isto não quer dizer necessariamente que as pessoas estejam mais poderosas ou que o sistema vá mudar. Mas estes sistemas que abusam do seu próprio poder hão-de implodir – isso aconteceu com a ditadura em Portugal e em Espanha e noutros sítios.

Como é que os protestos pela democracia no Cairo se ligam aos protestos em Espanha, no Chile, ao Ocuppy Wall Street ou aos motins em Londres (que considerou serem também uma forma de protesto)?

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Soares dispara

Os chamados micro-textos, presentes em redes sociais como Twitter e Facebook vêm gerando discussão sobre a própria natureza de sua existência, seu lugar nos olimpos das informações, sua força enquanto fonte legítima de conhecimento e debates. Acreditamos que apesar de seu desenho veloz (na intenção de quem lê e/ou escreve, na plataforma em que é lançado), de sua forma e conteúdo caóticos, fragmentados, pode ser visto e pensado como uma poderosa ferramenta no entendimento dos fatos cotidianos, indo além do puramente informativo ao manter seu caráter crítico.

Exemplo disso foi o recente assassinato da juíza Patrícia Acioli, a conseqüente prisão do tenente-coronel Claudio Luiz de Oliveira, acusado de ser o mandante do crime, e a crise instalada na secretaria de Segurança Pública do Estado do RJ com o pedido de exoneração do Comandante-Geral da PM. Os fatos, que levam a um questionamento mais amplo acerca da segurança pública no estado, das relações de poder que envolvem, das alianças políticas e clientelistas que revelam, passaram pela ótica aguçada e qualificada de um dos maiores (senão o maior) especialista no assunto no Brasil: Luiz Eduardo Soares.

Em seu microblog, Soares disparou, em menos de uma hora (de 14h58 a 15h41, sendo o último parágrafo comentário posterior) questionamentos fundamentais que lançam luz aos intricados movimentos dos atores em questão, entre eles, a PM, o Ministério Público e o governador Sérgio Cabral.

Apenas compilamos, corrigimos as abreviações e colocamos em ordem as idéias de Soares. Sem nenhuma intenção de descontextualizá-las ou mudar, pela forma, seu conteúdo, ou, por posterior, retirar a emoção do momento da escrita, acreditamos que trata-se de valioso artigo (por que não?) sobre o caso. Acreditamos que a natureza incessantemente “atualizatória” do lugar de onde a fala é dita, a Internet, não deve apagar o que de bom é dito com a mesma natureza, usando a mesma plataforma. O tempo, devorador, mas também construtor, deve se encarregar de manter algumas coisas.

Segue artigo:

Tenente Coronel mandou matar juíza. Mídia chocou-se com envolvimento do estrato superior da Polícia Militar. Eu, não. Fui demitido do governo do RJ, em 2000, por dizer isso.

Não basta caçar criminosos nas polícias. A fonte será inesgotável enquanto perdurarem cultura e estrutura organizacional herdadas da ditadura. Amigos do Ministério Público (MP), responsável pelo controle externo das polícias: algum de vocês acha que o MP está cumprindo seu papel? E que bastará punir indivíduos? Como punir só desvios de conduta individuais nas polícias se brutalidade letal e participação em crimes é padrão institucionalizado?

Editoriais bradam contra envolvimento de policiais em crimes e pedem punições e afastamento de culpados. Não veem o padrão institucionalizado? Ante milhares de casos de envolvimento de policiais no crime organizado e em execuções extra-judiciais, eu digo: “é a instituição, estúpido”. Se os casos individuais se repetem em larga escala e formam padrões previsíveis e regulares, é porque não são casos individuais, ora bolas. Alô!!! Os casos “individuais” reproduzidos revelam padrão institucionalizado, oriundo da cultura e estrutura organizacional e da política de segurança

Política de segurança não “manda” que policiais executem extra-judicialmente e participem do crime organizado, mas não desmonta a máquina que manda. Se há padrão institucionalizado policial que mata e nutre crime, se isso provem de fatores desprezados pela política de segurança, Cabral é culpado.

Retórica dos editoriais só veem casos individuais a serem punidos. Gera-se um cortejo de omissões. A reforma das polícias continua fora da pauta

O que a Comissão da Verdade tem a ver com a prisão do tenente-coronel da PMRJ? Tem tudo a ver. A cultura policial (guerra x direitos) é herança da ditadura.

 

 

 

Quem ama protege

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Por Carlos Lessa (extraído do Valor Econômico 28/09/2011)

 Quero felicitar a senhora presidente da República por ter lançado em discussão a reinstalação da Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras (CPMF). A Constituição de 1988, ao criar o conceito de orçamento de seguridade social, manteve a base salários e a ampliou, potencialmente, com contribuições a serem instituídas sobre lucros e faturamento das empresas. O orçamento de seguridade englobaria os gastos previdenciários, de saúde e de assistência social, mas, de forma cruel, foi descaracterizada essa proposta dos constituintes.

 As contribuições sociais, criadas como formas de tributação do governo federal, foram desviadas para a caixa única e o superávit primário a serviço dos pagamentos de juros. A área de saúde – pressionada pelo crescimento demográfico, pela elevação da idade média de vida e pela ansiedade popular por melhoria da qualidade dos serviços preventivos de saúde – foi beneficiada pela CPMF. Entretanto, o buraco negro dos juros atraiu para o caixa único e superávit primário os novos recursos tributários criados pela CPMF. O desvio da finalidade social foi a justificativa formal para a extinção da contribuição.

O modesto e tímido passo para reservar o mercado brasileiro para a mão de obra nacional está sendo demonizado

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A deterioração da gestão da saúde pública

por Coletivo Autonomizando

Na terça feira, dia 13 de setembro, foi aprovada na ALERJ o projeto de lei que autoriza a Secretaria Estadual de Saúde a contratar empresas particulares, chamdas de Organizações Sociais (OSs), para gerir unidades de saúde no estado do Rio. Essa medida pode ser interpretada como mais uma lei facilmente aprovada pela maioria governista da casa, que tende a privilegiar um pequeno grupo de empresários e prejuducar o real enfrentamento dos desafios da gestão pública de serviços destinados à população. Apenas algumas semanas após sofrer uma investigação pelo TCU e pelo TCE acerca dos valores pagos pelos módulos utilizados para a montagem das UPAs (que poderiam ser 25% mais caros que a construção de uma unidade de saúde de alvenaria), a Secretaria Estadual de Saúde (SES) pode enfrentar a oposição do Conselho Estadual de Medicina e questionamentos quanto a constitucionalidade da mais recente medida. Infelizmente, as primeiras manifestações populares realizadas no própria terça-feira não foram suficientes para alterar o resultado da votação, mas conseguiram levantar a discussão sobre o tema.

 Talvez, mais importante que os debates político e legal, seja a análise dos impactos reais no funcionamento dessas unidades de saúde, no cotidiano dos funcionários da área e, sobretudo, na realidade enfrentada pelos usuários do SUS no Rio de Janeiro. O objetivo principal dessa lei é melhorar a qualidade dos serviços, baseando-se na avaliação de indicadores específicos, o que poderia (e deveria, ser realizado pelos gestores das próprias unidades e da SES). Portanto, a simples transferência de uma atribuição tradicional do Estado para a iniciativa privada não seria um atestado de incapacidade de organizar e gerir serviços públicos de saúde? O que indica que os objetivos almejados seriam alcançados com essa transferência de poder? Alguma dessas empresas a serem contratadas apresentam alguma comprovada experiência na gestão de unidades de saúde, que justifique seus serviços? Além dessas questões, existem dúvidas em relação ao processo de contratação a ser utilizado e o impacto orçamentário gerado com tal projeto. Infelizmente, nenhuma informação objetiva que permita a alucidação dessas questões cruciais veio a ser de notório conhecimento.

Infelizmente, o que não é difícil prever, como consequência direta dessa estratégia, é o afastamento dos funcionários da saúde e dos usuários do sistema dos processos de gestão dessas unidades. Também torna-se ainda mais evidente a política da SES de desistimular o ingresso de profissionais de carreira na saúde (e, principalmente, de desvalorizar os já atuantes), em mais uma deliberada atitude de concentração de poder. Além disso, alterações de tal magnitude na organização dos recursos humanos, tendem a afastar esses estabelecimentos públicoas do cenário de formação de novos profissionais na área. Justificar uma eventual melhora na qualidade do atendimento apenas pelo incremento salarial é, no mínimo leviano, uma vez que as condições estruturais e materiais de trabalho influenciam decisivamente esse processo. É essa combinação que permite a aliança verdadeira e horizontal entre gestores e funcionários, que consolida a missão de oferecer serviços públicos de saúde seguindo os princípios e diretrizes do SUS. Não há dúvidas que esse dever é do poder público, bem como não há incertezas que o acesso aos serviços é um direito de todo cidadão. Sendo assim, não há justificativa técnica, legal ou administrativa para esse projeto de lei. A reforma sanitária brasileira é um grande projeto de inclusão social; um processo contínuo de construção de todos para todos e não deve, sob hipótese alguma, estar sujeita aos descaminhos promovidos pela privatização e pelos esquemas de beneficiamento patrocinados com receitas públicas.

Confira relações deputados que aprovaram a pauta

Looking Beyond Spring (Grovogui)

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Série de cinco artigos sobre a “Primavera Árabe” e a participação da União Africana no processo feita sob a ótica do professor pós-colonialista Siba Grovogui. Os textos foram extraídos do blog “The Disorder of Things” e representam fundamental contraponto às análises presentes no mainstream acadêmico e na mídia ocidental.

O objetivo da série, nas palavras do próprio professor:

(…) is not therefore to examine the meaning and implications of the absence of ‘Africa’ on the battlefield of Libya, but to point to the larger geopolitical implications of the intervention for international order, global democratic governance, and the promotion of democratic ideals and political pluralism in the region undergoing revolution and beyond.

To begin, it is not just ‘Africa’, ‘African indecision’, and ‘African non-Normativity’ that are at stake in the characterization of African actions or inactions. Much of what is construed as ‘lack’ or ‘absence’ in Africa is also intended to give sustenance to the idea of the indispensability of the West – composed on this occasion by France, Great Britain, the United States, and tangentially Canada – to the realization of the central ends of the MENA Spring. The myth of the centrality of the West to the imaginary of freedom everywhere is inscribed in the name given to the events under description.

  Confira:

 Parte 1

Parte 2

Parte 3

Parte 4

Parte 5

 

 

Chile picante

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O FMI deu uma boa notícia para o Chile: o país vai crescer 6,5% este ano, apesar da crise mundial. A demanda interna vai subir 7,8%. A inflação está controlada em 4%. A taxa de desemprego, em razoáveis 7,2%. A instituição, além disso, destacou que “o consumo vai se beneficiar do forte crescimento da oferta de emprego e salários firmes, enquanto os gastos da reconstrução após o terremoto continuarão sustentando os investimentos”. Como se não fosse bom o bastante, afirmou que
“a capacidade de recuperação do Chile se sustentou em políticas sólidas, que incluem regrasi fiscais, metas de inflação e flexibilidade no tipo de câmbio, além de um sistema bancário saudável”.

Em uma primeira análise, a notícia, por si só, garantiria a reeleição do atual presidente Sebastian Piñera. Se a medida de todas as coisas fosse ecônomica, bastariam os números. No entanto há pessoas, infelizmente, diriam alguns, a governar. E essas mesmas pessoas são as responsáveis por sua popularidade estar em queda vertiginosa no país (52% de reprovação de seu governo, apenas 26% de aprovação, a pior avaliação de um presidente chileno em duas décadas).

Essas pessoas, que possivelmente não leram o relatório do FMI, entraram em greve.

Greve geral hoje e amanhã no Chile.

Às manifestações dos estudantes chilenos, que há mais de dois meses reclamam o fim da lógica de mercado na educação do país, além da gratuidade do ensino público (100 mil estudantes encontram-se em situação de inadimplência), se juntam à CUT, Central Unitaria de Trabajadores que, junto a a organizações de professores, jornalistas, escritores, agrupações de direitos humanos, sindicatos e federações do transporte, indústria e empresas públicas, reivindica “os direitos sociais e cidadões” e reitera ” a necessidade de um novo “modelo econômico no país, além de uma nova Constituição e um novo Código Trabalhista”. Cerca de 80% do funcionalismo público chileno aderiu à greve (apesar do governo ter declarado o “grande fracasso” do movimento, com a adesão de apenas 5% do funcionalismo).

As reivindicações são profundas, exigem reformas estruturais e, para alguns analistas, têm como alvo o desmonte do Estado, aprofundado pela lógica neoliberal através dos anos, que levou a uma desigualde crescente no país: 20% dos mais ricos têm uma renda 14 vezes maior que a média dos 20% mais pobres. Diz a Cut, mostrando a polarização atual no país:

sabemos o que os trabalhadores perderam durante todos estes anos. Sabemos o que os trabalhadores perdem todos os dias, enquanto os grandes consórcios privados e as trasnacionais continuam com seus lucros milionários . Quem está preocupado com a greve são os ricos, os empresários, o governo de direita, que não quer entender o que as pessoas estão exigindo. Mas os trabalhadores sabem que devem se mobilizar e as pessoas irão às ruas manifestar-se pelos seus direitos”

Ley de Seguridad e falsa normalidade

O governo diz que o clima é de normalidade, os fatos desmentem o argumento e o próprio conceito: paralisações em todo país. Apesar disso, Sebastian Piñera fez questão de criminalizar tais movimentos ao lamentar que algumas pessoas estejam “trabalhando para que o Chile pare”. Além da retórica, o punho. O governo anunciou, na segunda, a possibilidade de usar a “Ley de Seguridad”, que permite o uso da força pelo corpo policial e a prisão de manifestantes. Andrés Chadwick, porta-voz oficial, responsabilizou de antemão a CUT pelas consequências da greve e a considerou “ilegal e completamente injustificada“. A fala foi duramente criticada por José Miguel Insulza, secretário-geral da OEA, que disse que não é hora de reprimir manifestações, que acha o movimento estudantil responsável e pacífico, e que comparou os fatos recentes no país aos protestos no final dos anos 60, que levou o Chile a uma reforma universitária.

A greve é apoiada pela “Concertación”, frente política histórica de alguns partidos de oposição, da ex-presidenta Bachelet, que também teve seu silêncio criticado pelos estudantes.

Apesar disso, e certamente por causa disso, alguns parlamentares da coalizão apresentaram ao governo uma proposta de reforma na educação. O deputado do Partido Socialista, Carlos Montes, disse:

Impuseram ao país um modelo educativo que nunca foi discutido democraticamente, que dizia que aqui tudo devia ser regulado pelo modelo da competição e do mercado. Hoje, ninguém pode discutir. E podemos garantir que isso não adiantou nada e os objetivos de diminuir as desigualdades não foram atingidos. Por isso, assumimos as bandeiras de luta dos estudantes e também respaldamos as mudanças estruturais exigidas”.

Somos tão jovens

Do lado estudantil, as manifestações vão adquirindo tons quase épicos. Além dos três meses de intensa mobilização, da comoção em torno da greve de fome de alguns jovens, da capacidade de se articular e ferir o governo, alguns universitários fizeram uma marcha de 120 quilômetros, de Santiago a Valparaíso,  até a sede do Legislativo, em um ato simbólico.

A mensagem entregue foi simples: “Que se legisle o que povo exige”.

As manifestações obrigarão aos formuladores das políticas a repensar suas formulações? É um exemplo de que a apatia do povo (que se absteve em massa nas últimas eleições) não é tão apática assim? É a prova de que há poucas respostas à pergunta “onde está o poder do poder”?

O fato é que os últimos acontecimentos são um duro golpe à democracia representativa que não representa, mesmo quando as notícias econômicas são tão alentadoras para alguns.

Para alguns. Não para todos.

O BriCS de três letras

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Notícia desta semana mostra que a China passou a ser o principal destino das exportações da África do Sul, com um total de 26 bilhões de dólares no comércio entre os países. Esses números vêm somar-se ao fato do país asiático também ser o principal destino das exportações brasileiras, outra “letra” do BRICS, e em breve também das importações, como indicou estudo do IPEA.

A relação da China com a África do Sul não para por aí. Está inserida em um âmbito mais complexo e maior da presença do Estado asiático no continente, que se dá através de formas como investimento direto, doações, perdão de dívida, ajuda técnica, infra-estrutura e auxílio miltar .

De acordo com paper do think tank Brics Policy Center intitulado “A Cooperação Sino-Africana: tendências e impactos para a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento“, diferente dos investimentos ocidentais, as práticas de ajuda ao desenvolvimento da China na África têm:

(…) ênfase em projetos que facilitem o incremento da produção de bens em setores complementares à economia chinesa como forma de garantir a manutenção de suas taxas de crescimento econômico, incluindo programas e projetos de educação e transferência de tecnologia

  E, por isso, emergem ante as formas liberais de ajuda, privilegiando, de acordo com a interpretação do texto, as formas horizontais, não-hierárquicas, sem as condicionalidades das primeiras. Apesar disso, é importante salientar as relações de interesses entre ajudado-ajudador, por assim, dizer, mostrando a fragilidade de tal dicotomia:

a ajuda ao desenvolvimento proporcionada pela China, não tem como ênfase a redução da pobreza ou, poderíamos aduzir, a reforma estrutural, mas sim, o crescimento econômico através da criação de situações que se apresentariam como vantajosas para os dois atores cooperantes

Resta pensar quais vantagens, de quais atores dos cooperantes, e se elas reeditarão a assimetria vista em outros tempos nas relações de desenvolvimento Norte-Sul. Abundam as críticas à política externa chinesa na África no que concerne o desrespeito ao meio ambiente, aos direitos humanos e a possível construção da dependência do mais fraco em relação ao mais poderoso.

Apesar de bastante diferentes das relações sinoafricanas, as sino-brasileiras apresentam questões parecidas, acrescidas de um debate acerca da cooperação/competição (embora, mais uma vez, isso não signifique necessariamente uma dicotomia, podendo os termos coexistir e se retroalimentarem) entre os dois países, global players cada vez mais importantes no tabuleiro mundial. Lógica, esta, que também poderá ser aplicada na interação da República Popular com o estado africano, dependendo da evolução das relações.

Será a letra “C” fiadora do desenvolvimento do “B-S”? Por isso mesmo, e/ou apesar disso, fonte de instabilidade no já instável conceito de unidade da sigla?

Keep this horror from your home

Propaganda anti-japonesa durante a Segunda Guerra. A ameaça tinha e ainda tem "olhos puxados".

No último mês, em meio à crise global e o prosseguimento dos conflitos no Meio Asiático, algumas notícias da China vêm chamando nossa atenção.

Uma delas é o recente lançamento do primeiro portaaviões do país. O governo americano, como se esperava, declarou sua “preocupação” em relação ao fato. O argumento central é, de acordo com Victoria Nulando, porta-voz do Departamento de Defesa dos EUA, a falta de transparência dos bastidores militares chineses, o que os leva a cogitar a projeção de poder do país em direção aos vizinhos e, principalmente, Taiwan.  Outros analistas argumentam que o portaavião não é uma ameaça militar em si, já que sua capacidade é limitada, não há expertise chinesa para projetar poder com o navio de guerra e, por isso tudo, ofereceria pouca resistência em um conflito com os EUA.  No entanto, os motivos de preocupação não desaparecem: o portaaviões é só o primeiro passo de um plano maior de ocupação marítima chinesa nos mares do sul, ponto inicial da expertise ainda não tida e, principalmente, fará os vizinhos aumentarem a percepção de que a China é uma ameaça.

O que nos mais é interessante nessa nuvem palavratória vaga é o discurso que se oculta, como sempre. Sob os interesses geopolíticos dos EUA, o temor de uma invasão chinesa ao Taiwan, jaz o ideário, espantosamente cristalizado, de que o perigo sempre vem do “outro”.  É quando o “apesar de” faz-se presente, sem estar, no discurso que quer escondê-lo. Apesar do orçamento de Defesa estadunidense ser de 600 bilhões de dólares (contra cerca de 90 bilhões da República Popular), apesar dos EUA possuírem 11 portaaviões, apesar da China ser o único país no Conselho de Segurança a não ter um, apesar de extenso relatório, o White Paper, acerca dos objetivos e fatos na defesa chinesa lançado este ano, inclusive elogiado por autoridades canadenses, apesar da impossibilidade se esconder uma arma militar desse tamanho, e de todas as contradições inerentes à posição estadunidense no mundo,  persiste a a ideia de que a China é uma ameaça. E que “eu”, portanto o não-outro, sou ao mesmo tempo o espelho reverso e a não-imagem possível daquilo que não me é. Continua-se a formulação de Saiid que o Oriente, no caso a China, é um “fato inerte da natureza”. Ele está ali, ele é um perigo. E o argumento, em essência, baseia-se nisso.

Preferimos ficar com a desconstrução crítica, a desconfiança e as perguntas, em vez da assertividade cada vez menos crível dos discursos de poder.

 De acordo com uma recente coluna no jornal estatal People´s Daily, de autoria de Wen Xian:

 Is China’s aircraft carrier invisible or miniature? Since you know where it is, why did you say it is not transparent. On the contrary, when U.S. aircraft carriers were sailing in the coastal waters of China or the U.S. high-altitude spy planes were frequently flying above China’s coastal regions, did the United States inform China “transparently?” (…) Why should China’s acquisitions policy and defense spending be such a concern when the United States still enjoys such a massive conventional superiority?

Ou, na genialmente atual formulação de Said, ao falar da política externa das potências:

Reflexão, debate, argumentação racional, princípios morais baseados na noção secular de que o ser humano deve criar sua própria história – tudo isso foi substituído por ideias abstratas que celebram a excepcionalidade americana ou ocidental, denigrem a relevância do contexto e veem as outras culturas com desprezo e descaso.

Crise e Sistema

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Manuel Castells, retirado do La Vanguardia.

Tradução livre: Bruno Moreno

Quando milhares de “indignados” afirmam que não é uma crise, mas que é o sistema o causador dos múltiplos problemas que nos afetam, estão dizendo algo tão básico como que se as raízes não forem tratadas, se persistirem as causas, as mesmas conseqüências serão produzidas.

Mas de que sistema estamos falando? Muitos diriam “capitalismo”, mas isso é pouco útil, pois existem muitos capitalismos. É preciso partir do que se vive como crise para entender que não é uma patologia do sistema, mas o resultado deste capitalismo. Mais ainda, a crítica se estende à gestão política. E surge no contexto de uma Europa desequilibrada por um sistema financeiro destrutivo que está levando à crise do euro e suscitando a desunião europeia.

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